domingo, 8 de novembro de 2009

Baderna na Uniban

Postado por Lu às 10:29

Por um breve momento, achei que tinha perdido a oportunidade de comentar o lamentável incidente ocorrido no dia 22 de outubro, quando alunos da Uniban (Universidade Bandeirante) do ABC paulista quase lincharam uma colega por causa de um vestido curto.

Mas uma última novidade neste final de semana retoma todos os pontos levantados até agora e dá um “grand finale” de cair o queixo: a moça agredida foi EXPULSA da universidade. Pois é, o preconceito e o machismo foram institucionalizados.

Em nota, a Uniban divulgou o desligamento da aluna Geyse, 20 anos, do curso de Turismo, por considerar que ela provocou a situação. Para eles, uma moça é perseguida, insultada, exposta ao país inteiro, ameaçada de agressão e estupro e, finalmente, é a responsável por tudo isso. Chocante!

Resolvi pegar a tal nota da Uniban e destrinchar seus argumentos. Vamos lá:

“RESPONSABILIDADE EDUCACIONAL

A educação se faz com atitude e não com complacência

R – Título e subtítulo que, a princípio, dariam a entender que os agressores seriam punidos severamente. Ledo engano.

“Foi apurado que a alune (sic) tem freqüentado as dependências da unidade em trajes inadequados, indicando uma postura incompatível com o ambiente da universidade, e, apesar de alertada, não modificou seu comportamento.”

R – A Uniban não esclarece quais trajes seriam “adequados”. A universidade também não evidencia se há, de fato, regras que determinam as vestimentas próprias dos alunos. Se não há tal documento, como estabelecer um padrão de trajes?


”A sindicância apurou que, no dia da ocorrência dos fatos, a aluna fez um percurso maior do que o habitual, aumentando sua exposição e ensejando, de forma explícita, os apelos de alunos que manifestavam em relação à sua postura, chegando, inclusive, a posar para fotos.”

R – Parece piada! Agora andar, passear, matar aula, bater papo no corredor, ir ao banheiro mais longe, tudo isso pode ser “exposição” e justificativa para linchamento. Ela posou para fotos? Nossa, que crime!


”Novamente, a aluna optou por um percurso maior ao se dirigir ao toalete, o que alimentou a curiosidade e o interesse de mais alunos e alunas, tendo início, então, uma aglomeração em frente ao local.”

R – Uma hipocrisia sem tamanho de quem vê mini-saias todo dia na rua e na TV. Além disso, as aulas eram menos importantes que uma mini-saia alheia, pelo que parece.

“Depoimentos de colegas indicam que, no interior do toalete feminino, a aluna se negou a complementar sua vestimenta para desfazer o clima que se havia criado.”

R –Se houvesse educação e respeito por parte dos alunos e funcionários, o “clima” sequer teria surgido.

“Foi constatado que a atitude provocativa da aluna, no dia 22 de outubro, buscou chamar a atenção para si por conta de gestos e modos de se expressar, o que resultou numa reação coletiva de defesa do ambiente escolar.”

R – Ponto 1) Se a moça não insultou, nem agrediu ninguém, qual é o problema de querer “chamar a atenção”? Ela tem todo o direito de usar roupas que a fazem se sentir bonita, desejada. A moda existe para isso!

Ponto 2) Chamar aquela algazarra misturada com linchamento de “reação coletiva de defesa do ambiente escolar” é insultar a inteligência do leitor.

“Em seu depoimento perante a comissão, a aluna demonstrou um comportamento instável, que oscilava entre a euforia e o desinteresse, e estava acompanhada de dois advogados e uma estagiária vinculados a uma rede de televisão.”

R – E daí?

“Diante de todos os fatos apurados pela comissão de sindicância, o Conselho Superior, amparado pelo relatório apresentado e nos termos do Regumento (sic) Interno, decidiu, com base no Capítulo IV – Regime Disciplinar, artigos 215 e seguintes:

1.
1. Desligar a aluna Geyse Vila Nova Arruda, do quadro de alunos da instituição em razão do flagrante desrespeito aos princípios éticos, a dignidade acadêmica, e a moralidade.”

R – “Princípios éticos” que apóiam a barbárie, a agressão e a falta de respeito. “Dignidade acadêmica” que passa por cima da “dignidade da pessoa humana” (prevista na Constituição). Moralidade que respalda a intolerância e o desrespeito pelo outro. Belos princípios estes, hein?

“2. Suspender das atividades acadêmicas, temporariamente,m (sic) os alunos envolvidos e deviudamente (sic) identificados no incidente.”

R – Usar vestido curto resulta em expulsão. Insultar, ameaçar, agredir, perseguir alguém resultam em suspensão. É impressão minha, ou esse texto cheira a hipocrisia?

“Nesse sentido, cabe aqui registrar o estranhamento da UNIBAN diante do comportamento da mídia que, uma vez mais, perde a oportunidade de contribuir para um debate sério e equilibrado sobre temas fundamentais como ética, juventude e universidade.

R – Eles só se esqueceram que ética, juventude e universidade são temas diretamente ligados a respeito pela diferença, pelos direitos humanos, pela dignidade humana, pela liberdade de ir e vir, pela integridade física e psicológica das pessoas. Essa ética mencionada pela Uniban está mais para conservadorismo hipócrita e violento.

Enfim, o que se pode esperar de uma universidade que endossa um comportamento tão bárbaro dos alunos? Pelo que parece, a Uniban também considera justificáveis agressões e até estupros em situações em que a mulher se veste de forma “inadequada”, não abaixa a cabeça como deveria. Mais uma amostra da sociedade machista em que vivemos, que condena a mulher que sai de “seu devido lugar” (submisso e virginal) e, ao mesmo tempo, que considera que ela deve estar sempre disponível aos apelos sexuais masculinos.

Felizmente a sociedade não está completamente do lado das atrocidades. Essa nota deverá servir de respaldo para que Geyse ganhe uma gorda indenização por danos morais. Os alunos da Uniban vão sofrer preconceito no mercado de trabalho. Acredito que as matrículas também vão cair. Um “tiro no pé” muito bem dado, em nome de uma “ética” burra, que prefere a agressão ao respeito mútuo.

6 comentários:

Ruleandson do Carmo on 8 de novembro de 2009 às 12:01 disse...

O machismo ainda existe e me pergunto até quando existirá, Lu. Quando os rapazes pegam no "pintinho" quando crianças ninguém recrimina, incentivam. Quando a mocinha pega gritam "tira a mão da aí"! Quando o menino começa a ficar com outros coleguinhas, todos dizem "segura suas cabritas que meu bode tá solto". Quando a menininha é muito próxima até mesmo de um amigo, a recriminam. Quando crescem para o homem importa a quantidade, para a mulher a virgindade. Eles andam sem camisa à vontade, elas se usam um vestido curto são expulsas de uma universidade. Que universo, hein?

Lu on 8 de novembro de 2009 às 16:40 disse...

É triste mesmo, Ru. Mesmo que as mulheres tenham conquistado mais liberdade de escolha, o campo da sexualidade (principalmente) ainda é um tabu muito grande imposto a elas. E o pior é que ainda tem muita gente que acha essa (falsa) moralidade boa.
Eu não tenho muitas esperanças de viver em um mundo sem machismo e todas as mazelas que ele traz, mas quem sabe meus filhos poderão, né?

Bigode on 8 de novembro de 2009 às 16:53 disse...

Não bastasse a postura surpreendente da Uniban (porque eu e muitas pessoas esperávamos, até ontem, que a universidade adotasse uma postura de punição aos agressores), fico estarrecido com a quantidade de pessoas que concordam que Geisy provocou toda a balbúrdia. No Orkut, nos blogs e em comentários de reportagens, tanta gente achando que ela fez por merecer! Quando não apontam apenas a moça, admitem que os estudantes e a universidade tiveram uma parcela de culpa, e denunciam o "sensacionalismo" que a mídia está fazendo. De fato, muitas vezes a mídia cria histórias e ficções para ganhar audiência e vender mais. Mas nesse caso a injustiça está na cara de todo mundo que tenha um pingo de sensibilidade pra perceber o desrespeito e o machismo. Infelizmente, a hipocrisia ainda reina, inclusive numa instituição de ensino superior que, se aspirava a algum respeito, ao expulsar a estudante mandou tudo ralo abaixo.

Lu on 8 de novembro de 2009 às 17:50 disse...

Pois é, Fabinho, como diz a música "o mundo está ao contrário e ninguém reparou"! Muito contraditório no "país do carnaval" as pessoas se sentirem "agredidas" por um vestido curto, exigirem um respeito que não são capazes de dar. Com mídia ou sem mídia, o YouTube não nos deixa enganar, aquilo foi digno dos tempos da inquisição ou até antes de Cristo. Só faltaram as pedras e as tochas.

Nih Ferreirat on 12 de novembro de 2009 às 16:42 disse...

Gostei muito do seu blog, muito rico. Sou sua seguidora, pois sigo coisas enriquecedoras.
Minha opinião é: Num País onde as mulheres ficam praticamente nuas no Carnaval e em todas as outras épocas do ano, onde as pessoas apoiam e incentivam a nudez, sem preconceito, ainda discriminam coisas que não têm menor valor moral do que isso. As pessoas julgam os atos das outras, mas não pensam em suas próprias atitudes.

Lu on 3 de dezembro de 2009 às 04:08 disse...

Olá, Nívea! Que bom que está gostando. Concordo com tudo que você disse. É preciso que todos comecem a se olhar no espelho antes de falar dos outros, não é mesmo?

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